Legitimada pelos discursos e representações sexistas divulgados pelo governo, a violência contra as mulheres está aumentando. Em 2019, três em cada dez mulheres sofreram algum tipo de violência, 1326 feminicídios foram registrados no Brasil (um aumento de 7,1% em comparação com 2018), e um estupro ocorreu a cada oito minutos. O racismo estrutura esta violência de gênero: em 2019, 66,6% das vítimas de feminicídio são negras, e a análise de um período mais longo de 2008 a 2018 mostra que a taxa de homicídios de mulheres negras aumentou em 12,4%, enquanto diminuiu em 11,7% para as mulheres « não negras ».

A pandemia tem exacerbado esta situação. No primeiro semestre de 2020, foram registrados 648 feminicídios, um aumento de 1,9% em comparação com o mesmo período de 2019. Este número subestima os dados reais, já que a pandemia torna mais difícil o acesso aos canais tradicionais de comunicação. De fato, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública observa uma diminuição das queixas de violência doméstica em 2020 em comparação com 2019, em grande parte devido às restrições impostas pelas medidas de contenção do deslocamento, impedindo que as vítimas se dirijam a uma delegacia de polícia. Por outro lado, houve um aumento no número de chamadas para o número 190 para casos de violência doméstica e sexual; do mesmo modo, entre fevereiro e abril de 2020, o Fórum observa um aumento de 431 por cento no número de denúncias de violência doméstica no Twitter.

Em uma época em que as violências de gênero e sexuais estão aumentando, o acesso das mulheres aos serviços de saúde é ainda mais importante. Apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem se caracterizado pela falta de vontade política para manter os serviços de prevenção, cuidado e apoio às mulheres em tempos de pandemia. Assim, o tratamento pré-natal e oncológico, assistência em casos de violência sexual ou gravidez precoce, promoção de métodos contraceptivos e proteção contra doenças sexualmente transmissíveis, etc. foram negligenciados.

Outro efeito da pandemia é seu impacto sobre as condições de trabalho das mulheres. Antes de tudo, podemos destacar a grande precariedade das mulheres trabalhadoras domésticas. De acordo com os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2019, há mais de 6,3 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, dos quais 93% são mulheres, 66% são negros e 72,1% são informais. A falta de uma estrutura adequada de proteção trabalhista impôs dois tipos de risco para essas trabalhadoras domésticas durante a pandemia: a perda de emprego e renda sem compensação ou a obrigação de trabalhar em condições sanitárias inadequadas. Embora a Covid-19 tenha chegado ao Brasil através de classes abastadas vindas do exterior, as duas primeiras vítimas foram mulheres, trabalhadoras domésticas, contaminadas em seus locais de trabalho. Outras trabalhadoras também se viram em uma maior vulnerabilidade: mulheres pescadoras, vendedoras ambulantes, camponesas, mulheres encarceradas, mulheres HIV-positivas, mulheres na prostituição, mulheres idosas, mulheres migrantes, etc. Suas situações específicas recebem pouca ou nenhuma consideração da parte de políticas específicas adaptadas.

Por fim, o aumento da carga de trabalho doméstico foi comum a todas as mulheres durante a pandemia. De acordo com uma pesquisa do IBGE sobre trabalho doméstico antes da pandemia, as mulheres no Brasil já gastavam duas vezes mais tempo por semana do que os homens em trabalho doméstico ou de cuidado. Esta distribuição desigual das tarefas domésticas se agravou durante a crise. Além disso, um estudo sobre o trabalho e a vida das mulheres durante a pandemia revelou que 50% das mulheres brasileiras tiveram que cuidar de alguém próximo a elas durante a pandemia.

Diante desta situação de violência e da precariedade de suas condições de vida e de trabalho, os movimentos de mulheres estão se organizando, criando redes de solidariedade e de apoio psicológico, desenvolvendo estratégias para acompanhar e denunciar a violência que sofreram, e realizando um trabalho de defesa de políticas públicas adequadas.

 

Exemplo de resistência: Onda de raiva contra a violência machista

#JustiçaporMariFerrer é um movimento nascido em setembro de 2020 após o estupro e a violência machista sofrida por Mariana Ferrer, uma blogueira de 23 anos. Durante o julgamento, o advogado do suposto agressor usou fotos pessoais de Mariana tiradas antes dos fatos, para rebaixar, agredir e humilhar a jovem mulher no meio da audiência e para induzir que ela havia dado consentimento. Isto é feito sem que o juiz intervenha ou denuncie o comportamento do advogado em relação à vítima. Um dos mitos da cultura do estupro é precisamente que a vítima é responsável pelos fatos com base, por exemplo, nas roupas que veste ou nos lugares que frequenta. O tratamento infligido à Mariana Ferrer e a absolvição do acusado desencadeou uma onda de raiva: manifestações espontâneas ocorreram em uma dúzia de cidades do país e a petição « Justiça por Mariana Ferrer » obteve mais de 4 milhões de assinaturas. Após este caso, são criadas comissões parlamentares e deputados que analisam um projeto de lei, em particular para obrigar o juiz a garantir a integridade da vítima e para assegurar que a violência institucional seja reconhecida como crime

 Os Dados :

– 1 ESTUPRO A CADA 8 MINUTOS em 2019

Citação

« Ninguém nos silenciará » Manifestação de Justiça para Mariana Ferrer