Mais de 314 povos indígenas, falando 274 línguas diferentes, estão pagando um preço alto pela violência do governo Bolsonaro. O Presidente da República fez inúmeras declarações anti-indígenas e nomeou representantes de setores contrários aos direitos indígenas justamente para os cargos responsáveis pela garantia desses direitos; seu governo se comprometeu a desmantelar políticas públicas e destruir os direitos dos povos indígenas garantidos na Constituição. Esta postura é terreno fértil para invasões de terras indígenas, assassinatos de líderes e outras violações graves.

O relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), publicado em 30 de setembro de 2020, mostra assim um aumento alarmante e generalizado da violência contra os povos indígenas em 2019. Houve 256 casos de « invasões de propriedade, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio » registrados em 2019, afetando mais de 150 Terras Indígenas (TI). Isto diz respeito a quase 143 pessoas em 23 estados diferentes. Muito preocupantes, estes números refletem um aumento de 135% dos casos de invasões de territórios em comparação com os registrados em 2018. De acordo com o CIMI, o número de casos de violência pessoal registrados em 2019 é mais que o dobro do total registrado em 2018. Como diz a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB): « Não são números, são vidas« .

 

Igualmente assustadores são os dados sobre o desmantelamento das terras indígenas TI: os processos de demarcação de 63% das TI estão suspensosenquanto a revisão de 27 processos de demarcação foi lançada. Por outro lado, os incentivos para invadir territórios já demarcados, incluindo aqueles onde os povos indígenas vivem em isolamento voluntário, são dados de maneira clara ou implicita. Isto é ilustrado, por exemplo, pelo apelo de ajuda dos povos indígenas do Vale do Javari, que temem uma forte propagação do vírus causado por invasores ilegais. Outra fonte de preocupação são as discussões no nível do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o futuro da demarcação de terras indígenas. O julgamento, que foi adiado várias vezes durante 2020, trata, entre outras coisas, da análise de duas teorias jurídicas conflitantes: a teoria da indigenidade, defendida pelos povos indígenas e a do « marco temporal », defendida pelos setores agroindustrial e de mineração. Enquanto se aguarda esta decisão, muitas mobilizações estão ocorrendo para se opor ao « marco temporal » segundo o qual os povos indígenas só têm direito às terras que ocuparam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

A falta de atenção do governo aos direitos indígenas também é evidente em suas escolhas orçamentárias. Em 2020, o orçamento da Funai (Fundação Nacional do Índio, a agência governamental que desenvolve e implementa políticas relacionadas aos povos indígenas) representa 0,02% do orçamento federal33 vezes menos que os subsídios concedidos à Petrobras e às empresas petrolíferas estrangeiras.

Os efeitos da omissão e negligência do governo na garantia e aplicação dos direitos indígenas são agravados no contexto da saúde de 2020. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) havia orientado os Estados membros a tomarem as medidas necessárias para assegurar que os povos indígenas fossem protegidos. No entanto, no Brasil, esta recomendação permaneceu letra morta. O acesso à assistência médica diferenciada administrada pelo governo federal é, no entanto, um direito dos povos indígenas garantido pela Constituição Brasileira e pela Lei 9.836 de 1999. No início de 2019, o governo de Bolsonaro anunciou a municipalização e privatização da política de saúde indígena, agravando a fragilidade do serviço e de seus meios (em termos de pessoal, medicamentos, estruturas, equipamentos, etc.). Durante o contexto pandêmico, nenhum plano de ação específico foi posto em prática pelo governo para proteger os povos indígenas e as comunidades tradicionais. Muitos deles tiveram que construir « barreiras sanitárias para se protegerem ». Segundo dados da APIB, a Covid-19 causou 896 mortes entre os povos indígenas, com 42.342 casos confirmados, e 161 povos afetados (a partir de 18 de dezembro de 2020).

Diante dessas inúmeras violações de seus direitos, os povos indígenas estão se organizando. Já em 17 de janeiro de 2020, 600 representantes de 45 povos indígenas do Brasil se reuniram em torno do Cacique Raoni e promulgaram o Manifesto de Piaraçu. Eles reafirmaram os direitos dos povos indígenas como reconhecidos pelos artigos 231 e 232 da Constituição Federal do Brasil (1988) e exigiram o reconhecimento e a aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em jogo neste processo está a exigência de consulta livre, prévia e informada « sempre que forem planejados projetos e decisões que possam nos afetar e ameaçar nossos territórios e modos de vida ». Na mesma linha, durante a pandemia, a APIB lançou um plano de emergência indígena para lidar com a Covid 19. Sob pressão de organizações, o Ministério da Saúde finalmente reintroduziu os órgãos de controle social (vários conselhos e espaços de participação cidadã na construção de políticas públicas) em novembro de 2020 dentro do Subsistema Indígena de Saúde (SASI SUS).

Exemplo de resistência: Campanha de Emergência e Luta Parlamentar

No Estado de Roraima, mais de 2.500 casos e 80 mortes relacionadas à Covid-19 ocorreram nas comunidades Macuxi, Taurepang, Wai Wai, Yanomami, Warao e outras. Desde 27 de março de 2020, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), que representa 246 comunidades, vem conduzindo uma campanha de emergência para ajudar os povos indígenas do Estado a combater a pandemia Covid-19. Kits de saúde, garrafas de gel hidroalcoólico, produtos de primeira necessidade e alimentos estão sendo distribuídos, e assistência psicológica está sendo fornecida às famílias indígenas afetadas pelo coronavírus. As comunidades também estão recebendo folhetos em seus idiomas tradicionais Wapichana, Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Wai-wai e Y’ekuana em dez regiões: Serra da lua, Amajari, Serras, Raposa, Tabaio, Auto Cuamé, Baixo Cotingo, Murupú, Surumu e Wai-wai.

Paralelamente a iniciativas de ajuda de emergência como o IRC, a luta pelo reconhecimento dos direitos indígenas é conduzida no nível do Parlamento. Sob o impulso da primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados, Joênia Wapichan, uma « Frente Parlamentar Conjunta para a Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas » foi lançada em abril de 2019 no Congresso Nacional. Além disso, graças à forte mobilização indígena, nas eleições municipais de 2020, os povos indígenas elegeram representantes em 127 municípios brasileiros.

OS DADOS:
– AUMENTO de 135% dos casos de invasão de territórios indígenas em 2019 em comparação com 2018

Citação

« Os povos indígenas enfrentam um dos momentos históricos mais difíceis desde a invasão colonial » CIMI (Conselho Indigenista Missionário)