O governo Bolsonaro está seguindo uma política agrícola focada no agronegócio, que predispõe a conflitos sobre a terra e ataca a vida daqueles que a protegem.

Uma das primeiras medidas de Bolsonaro foi paralisar a Reforma Agrária, que consiste em reatribuir terras improdutivas ou cultivadas ilegalmente a famílias que desejam viver da terra. Em 2019, não houve atribuição de terras a famílias sem terra através deste mecanismo de expropriação de propriedades que não cumprem sua função social, previsto na Constituição; apenas dois territórios quilombolas foram reconhecidos. Em 2020, todas as instituições responsáveis pela reforma agrária são lideradas por atores políticos que se opõem à partilha da terra. Estes mesmos atores veem a pandemia como um momento de oportunidade para promover a apropriação de terras pelo agronegócio. O Projeto de Lei 2.633/2020, que trata da regularização fundiária, foi assim claramente visto pelas organizações e movimentos sociais como uma tentativa de legalizar a apropriação ilegal de terras, o que poderia aumentar o desmatamento e os conflitos nas áreas rurais.

Legitimada pela retórica e ações do governo, a violência está aumentando nas áreas rurais e atingindo novos picos ao longo de um período de cinco anos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 1833 conflitos em 2019. Isto é 23% a mais do que em 2018. Entre eles estão 1254 conflitos fundiários, 1206 dos quais dizem respeito a uma forma de violência provocada por supostos proprietários e/ou assaltantes de terras. Este número é o mais alto desde 1985. A « Amazônia Legal » é uma área particularmente visada, responsável por 60% dos conflitos fundiários e 84,4% dos assassinatos relacionados à luta pela terra. Diante desta violência, as comunidades locais dos territórios resistem e se manifestam: entre 2018 e 2019, as manifestações em torno do direito à terra (ações coletivas de protesto ou demanda) aumentaram 142%, o maior número já registrado pela CPT.

Em tempos de pandemia, os conflitos fundiários, longe de chegarem a uma trégua, se aprofundam. De acordo com dados parciais da CPT publicados em dezembro, 178 « invasões » de territórios foram registradas em 2020, um aumento de 1880% comparado a 2019afetando 55.821 famílias, um aumento de 40% comparado a 2019Quase 80% dessas invasões dizem respeito a famílias indígenas, quilombolas ou tradicionais. Tristes episódios testemunham as pressões e ameaças diárias sofridas por aqueles que procuram defender suas terras: a tentativa de despejo de 450 famílias do acampamento Quilombo Campo Grande em Minas Gerais em agosto de 2020; o assassinato de camponeses como Enio Pasqualin, líder do MST do Paraná, em 24 de outubro de 2020; o assassinato de vários líderes indígenas durante o ano de 2020.

Diante da perseguição e da criminalização de suas lutas, os movimentos sociais estão resistindo. É o caso, em particular, do Movimento dos Sem Terra (MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que oferecem uma resposta concreta à extrema precariedade econômica enfrentada por uma parte crescente da população, abrindo perspectivas de acesso a lugares para viver e produzir alimentos. Durante a pandemia, eles se destacaram por suas ações de distribuição de alimentos saudáveis em bairros pobres, demonstrando a força e a importância da agricultura camponesa.

 

Exemplo de resistência: resistência pacífica das famílias sem terra

O caso do Acampamento Quilombo Campo Grande (no Estado de Minas Gerais) é emblemático do terror que reina no meio rural. Em agosto de 2020, em meio a uma pandemia, a pedido do antigo proprietário e por decisão de um juiz local, a polícia interveio para expropriar 450 famílias sem terra (mais de 2.000 pessoas). Os camponeses do Quilombo Campo Grande se organizaram então para resistir pacificamente, posicionando-se em massa na entrada, adultos e crianças, num tenso confronto face a face com a polícia durante 3 dias e 3 noites. Ao mesmo tempo, foram apresentados recursos contra a decisão de despejo e foi organizada uma campanha regional, nacional e internacional de pressão sobre as autoridades judiciais e políticas para deter o despejo e denunciar as muitas irregularidades que acompanham o procedimento. A Polícia Militar finalmente forçou a evacuação de parte do acampamento, as casas de 14 famílias foram destruídas, assim como uma escola e plantações.

Há mais de 20 anos estas famílias de agricultores cultivam café, milho, frutas e verduras nesta terra de forma agroecológica. Eles ainda estão sob ameaça de despejos mais violentos ou de destruição de seus meios de produção agrícola.


Os Dados :

 

– 2019 AUMENTO de 1880% das « invasões » dos territórios das comunidades camponesas, tradicionais, quilombolas e indígenas em 2020 em comparação com

Citação

João Pedro Stedile, economista e membro do Conselho Diretor Nacional do MST, disse: « A reforma agrária é produzir alimentos para o povo brasileiro.”