A Constituição do Brasil faz parte dos melhores exemplos mundiais em matéria de reconhecimento do direito à Moradia. Os artigos 82.º e 83.º da Constituição tratam da política urbana no Brasil e garantem que a propriedade tanto urbana quanto rural deve desempenhar a sua função social.

No entanto, em 2015, estimava-se em 101.854 o número de pessoas que vivem nas ruas no Brasil, das quais 77,02 % nas grandes cidades e 48,89 % na região do Sudeste do país.

Passadas as políticas sociais dos anos 2000, que levaram à criação do Ministério das Cidades, uma reivindicação histórica dos movimentos populares de luta pelo direito à moradia, as políticas de austeridade do governo de Michel Temer inverteram brutalmente a tendência.

O diálogo com os movimentos sociais foi interrompido e as expulsões das famílias ocupando edifícios abandonados e vazios tornaram-se recorrentes. A organização dos Jogos Olímpicos no Rio em 2016 e a organização da Copa do Mundo de Futebol em 2014 em outras cidades serviram de álibi para acelerar essas expulsões.

Durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro lançou mensagens claras sobre a sacralidade da propriedade privada, apesar do direito à moradia para todos. As ameaças e a criminalização dos movimentos que lutam por uma habitação digna e pelo direito à cidade continuaram até a sua chegada ao poder.

Este discurso se concretizou nas primeiras medidas adotadas pelo governo em 2019: o aumento das expulsões e a prisão preventiva de ativistas, a proposta de alteração dos artigos da Constituição sobre a função social da propriedade urbana e rural e o plano de cortes orçamentários nas políticas de acesso à moradia são exemplos desta política.

Criminalização da pobreza e luta pela moradia

Os sem-teto acumulam estigmas e são, portanto, mais vulneráveis à violência. Entre 2015 e 2017, foram comunicados 777 904 casos de violência, dos quais 17 386 (2,2 %) foram motivados pelo fato da vítima viver nas ruas. As mulheres (50,8%) e as pessoas negras (54,8%) são as vítimas mais frequentes das agressões contra moradores de rua entre 2015 e 2017.

É neste quadro que os movimentos de luta por moradia buscam construir alternativas e dar voz a esta parte invisível da população. A ocupação constitui uma das suas armas fundamentais: apoiando-se no princípio constitucional da função social da propriedade, escolhem terrenos desocupados e procedem à sua ocupação com as famílias interessadas. O objetivo não é apenas encontrar uma solução para o problema da moradia, mas também construir espaços para o acesso à educação, à saúde, à cultura, à mobilidade e melhorar a qualidade de vida das famílias assim realojadas.

Ocupar um espaço na cidade é também ocupar um espaço no debate político. Além disso, permite formar-se para continuar a denunciar a falta de política de acesso à habitação para os mais excluídos.

Os movimentos de luta por moradia resistem.