Desde 2016, assassinatos, agressões e ameaças têm desempenhado um papel importante na estruturação da vida política e eleitoral no Brasil. Longe de ser episódica ou isolada, esta violência contra funcionários eleitos é parte integrante da vida política institucional das cidades brasileiras, como evidenciado pelo grande número de assassinatos e ataques contra prefeitos e parlamentares das câmaras municipais.

Segundo o relatório « Violência Política e Eleitoral no Brasil – Panorama das Violações dos Direitos Humanos de 2016 a 2020« , o país registrou pelo menos 327 casos de violência contra políticos durante este período. Houve 125 assassinatos e agressões, 85 ameaças e 33 agressões. Esta violência continua a aumentar: em 2019, houve três vezes mais casos do que em 2016, ou seja, um episódio de violência política a cada três dias. Em 2020, até 1º de setembro, o país registrou um aumento de 37% nos casos em relação a 2016. Enfim, cinco casos de violência política por dia foram registrados somente em novembro de 2020, que foi marcado pelas eleições municipais.

A esmagadora maioria dos pré-candidatos, candidatos ou funcionários eleitos assassinados ou atacados entre 2016 e 2019 são homens (em 93% dos casos). 9 mulheres (7%) foram assassinadas ou sofreram tentativas de homicídio durante este período. O caso mais emblemático continua sendo o da vereadora eleita da cidade do Rio, Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018. O caso permanece sem solução.

Embora as mulheres estejam subrepresentadas na vida política, elas sofrem proporcionalmente mais violência política. Enquanto nas câmaras legislativas municipais, estaduais e federais, a proporção média de mulheres representantes é de aproximadamente 13%, as mulheres representam 18% dos casos de agressões físicas, 31% dos casos de ameaças e 76% dos casos de ofensas, muitas vezes através de meios virtuais.

O aumento dos casos de agressão vai além da violência eleitoral. Essas ameaças e agressões visam grupos específicos de representantes políticos eleitos, geralmente mulheres negras ou indígenas e pessoas LBGTQI+. O uso da violência contra eleitos que afirmam representar esses estratos sociais desfavorecidos ou excluídos é uma forma intencional de reproduzir os processos de exclusão ou mesmo de eliminação desses grupos, deslegitimando sua participação na vida política.

Esta violência alimentada por episódios de racismo, sexismo e LGBTQI+fobia não afeta apenas os envolvidos, mas também atormenta e desestabiliza o processo de representação e participação política de segmentos inteiros da sociedade. Grupos historicamente discriminados, já subrepresentados, são desproporcionalmente afetados por esta violência política, o que, por sua vez, elimina a possibilidade de construir um Estado verdadeiramente democrático.

Entretanto, a sociedade civil brasileira está se organizando para resistir. Graças a movimentos como a Coligação Negra pelos Direitos ou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), as eleições municipais de 2020 tiveram um número recorde de candidatas mulheres e, pela primeira vez, houve mais candidatas negras do que brancas. As candidaturas indígenas aumentaram 26% nessas eleições, enquanto as de mulheres indígenas aumentaram 49% em comparação com 2016.

Essas estratégias parecem ter dado resultados positivos. Em todas as 27 capitais, 44% das cadeiras dos novos conselhos municipais eleitos serão ocupados por negros. Em termos de gênero, as mulheres serão responsáveis por 18% das cadeiras nos conselhos municipais no Brasil. Além disso, o número de funcionários indígenas eleitos aumentou consideravelmente: eles ocuparão 237 assentos em várias cidades brasileiras a partir de 2021, em comparação com apenas 169 em 2016

 

Exemplo de resistência: Candidaturas coletivas

As candidaturas coletivas estão se multiplicando no Brasil, de acordo com uma pesquisa da Rede de Ação Política para a Sustentabilidade (RAPS). O « mandato coletivo » é uma inovação que surgiu no Brasil através de perfis como o de Marielle Franco. A iniciativa rompe com a individualidade da função parlamentar e promove, através da prática, a reforma política institucional. O mandato coletivo aproveita a ausência de legislação para propor um mecanismo baseado na candidatura de um indivíduo – em caráter oficial – mas envolvendo um compromisso com a tomada de decisão coletiva ou colegial. As primeiras 7 experiências foram realizadas entre 2012 e 2014 e mais de 98 coletivos se lançaram em processos eleitorais entre 2016 e 2018, dos quais 22 foram eleitos. Entre eles estão o coletivo Gabinetona eleito nas eleições municipais de Belo Horizonte em 2016, as experiências da Bancada Ativista em São Paulo e da Juntas em Pernambuco, nas assembleias legislativas desses dois estados. Para as eleições municipais de 2020, surgiram muitas candidaturas coletivas. Em São Paulo, foram mais de 34. Estas candidaturas coletivas contornam um sistema que é difícil de mudar através de canais legais, em nome da representação popular. São geralmente lideradas por mulheres e apoiadas por movimentos sociais; representam uma verdadeira oxigenação e inovação em termos de prática política, defendendo uma visão mais aberta, inclusiva e democrática da representação parlamentar.


Os Dados :

– 327 CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS POLÍTICAS, entre 2016 e 2020

Citação

« A mulher negra é um corpo estranho no Parlamento, nenhuma de nós jamais aspirou a ser um mártir. Marielle (Franco) não o desejava e nenhuma de nós o deseja. Queremos estar vivas para fazer política.« 

Taliria Petrone, deputada federal pelo estado do Rio de Janeiro, alvo de pelo menos cinco ameaças de morte.