Desde a posse de Bolsonaro em janeiro de 2019, os ataques ao ensino público (ensino primário, secundário e superior) se intensificaram. Aliado ao movimento conservador « Escola Sem Partido », o governo decidiu travar uma guerra cultural contra a educação em duas frentes: uma reacionária, alegando querer « purgar » a escola e a universidade do marxismo cultural e revogando as cotas raciais para os programas de graduação; a outra neoliberal, fazendo cortes drásticos no orçamento e desconsiderando abertamente as ciências humanas e sociais, que não são consideradas suficientemente lucrativas. Todas estas medidas põem diretamente em perigo o futuro de milhões de jovens brasileiros, desde a escola primária até a universidade.

O governo parece estar procurando sufocar o ensino superior público: em sua lei orçamentária anual para o ano 2021, prevê um corte de R$ 4,2 bilhões no orçamento destinado ao Ministério da Educação para 2021, o que representa uma diminuição de 18,2% em relação aoano anterior. O presidente da Associação de Líderes de Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Edward Madureira Brasil, já manifestou sua preocupação: « Com estas medidas, fica claro que nenhuma instituição poderá atingir suas metas de ensino e pesquisa no próximo ano.”A última investigação do Global Public Policy Instituteaponta, assim, os cortes excessivos no orçamento e a restrição da pesquisa como uma série de obstáculos à liberdade e autonomia acadêmica. Por outro lado, ameaças de morte estão induzindo alguns pesquisadores ao exílio. Por fim, estudantes e professores denunciam as nomeações arbitrárias de decanos de faculdades públicas feitas pelo Ministério da Educação

A pandemia de Covid-19 revelou o subequipamento cruel das escolas brasileiras e o crescente desinteresse do Estado pelo setor educacional« A divisão digital, que já era preocupante, se agravará durante a pandemia« , disse Italo Dutra, Diretor da UNICEF Brasil, em outubro de 2020. Entretanto, o muito conservador Milton Ribeiro, Ministro da Educação, brilha por seu silêncio e inação, ao passo que 48 milhões de estudantes (incluindo 180.000 crianças em idade escolar) viram suas escolas fecharem e que a crise sanitária só acentuou as desigualdades socioeconômicas. Segundo um estudo de 2019 do Centro Regional e Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), apenas 43% dos domicílios urbanos e 18% dos rurais tinham pelo menos um computador, enquanto apenas metade dos domicílios das classes D e E (os mais pobres do país) tinham acesso à Internet. Em 2020, 26% das crianças nas escolas públicas ainda estão sem recursos educacionais on-line devido à falta de acesso a uma conexão wi-fi estável ou equipamentos de informática adequados (este número sobe para quase 48% na região norte mais pobre e mais isolada). Além disso, em 2020, 39% das escolas públicas brasileiras carecem de saneamento básico, tornando muito difícil a implementação de medidas de saúde para lidar com o vírus. Uma pandemia quetambém piora as condições de vida dos alunos e estudantes, desde aqueles forçados a trabalhar para sustentar suas famílias até aqueles que perdem seus empregos ou se encontram desabrigados. A situação atual compromete seriamente a continuidade da escolaridade dessas milhões de crianças e adolescentes, que já são econômica e socialmente vulneráveis.

Os profissionais docentes continuam seus esforços para denunciar as deficiências da educação pública brasileira, qual não esperou a pandemia de Covid-19 para entrar em crise. Enquanto alguns governos estaduais exigem a reabertura das instituições públicas de ensino, vários sindicatos de professores primários e secundários se mobilizaram emitindo um aviso de « greve pela vida », notadamente em Recife e no Rio de Janeiro. De acordo com os sindicatos, as condições sanitárias ainda não estão em vigor para garantir um retorno pacífico à escola e eles temem a transmissão do vírus entre os estudantes e o pessoal educacional.

Exemplo de resistência: o FUNDEB está consagrado na Constituição

No final do verão de 2020, uma maioria esmagadora da Câmara dos Deputados e, em seguida, do Senado,aprovou uma emenda à Constituição que inscreve o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) na lei básica. Uma vitória salutar neste período de pandemia, que consagra anos de luta da profissão docente em defesa da educação pública. Desde 2019, o Sindicato dos Profissionais da Educação Pública de Campo Grande (ACP-MS) tem realizadouma série de ações militantes para conscientizar sobre a importância capital deste fundo: « A sociedade precisa entender que se o FUNDEB desaparecer, não haverá mais transporte público para suas crianças, não haverá mais material escolar e didático, não haverá mais manutenção escolar. Não haverá meios para financiar professores e funcionários públicos, que também não terão mais treinamento. Tudo isso vai desaparecer. Metade das escolas fechará. É uma emergência! » advertiu o professor e sindicalista Lucilio Nobre, durante um debate cidadão. Em fevereiro de 2020, o mesmo sindicato organizou um « carnaval da educação » em Campo Grande (Mato Grosso), cujas bandeiras pediam um « novo FUNDEB permanente« .

Como um legado da política intervencionista do governo Lula, é este fundo (financiado pelo dinheiro dos contribuintes e do governo) que hoje subsidia mais da metade do sistema de ensino público brasileiro, desde as creches até o ensino médio. Prova, se alguma fosse necessária, da desmobilização do Estado nesta área, o ex-ministro da Educação A. Weintraub se destacou por sua ausência durante os debates parlamentares. Embora a participação federal no fundo mal ultrapassasse os 10% em 2020, a emenda prevê um aumento gradual de seu investimento com uma meta de 23% em 2026 – dos quais 5% serão dedicados ao ensino primário. Ele também garante a implementação do Custo Aluno-Qualidade, um mecanismo para medir o financiamento necessário para melhorar a qualidade da educação e reduzir as desigualdades educacionais.

OS DADOS:

– Até 2020, 39% das ESCOLAS PÚBLICAS Brasileiras NÃO POSSUEM UM SISTEMA DE SANEAMENTO BÁSICO

Citação

« Precisamos discutir e fortalecer a educação pública como um direito, garantindo transparência no uso dos recursos, ampliando postos e inscrições, garantindo competições abertas« .

Coletivo Professora Adélia de França (Estado da Paraíba).