Num contexto de crescente criminalização dos movimentos sociais no Brasil, 18 organizações francesas de solidariedade internacional decidiram em dezembro de 2018 lançar uma coalizão para fazer convergir suas ações em favor da democracia brasileira. A Coalizão Solidariedade Brasil, em parceria com organizações da sociedade civil brasileira, desenvolve na França e na Europa ações de sensibilização, de visibilidade e de defesa dos direitos, especialmente com os grupos vulneráveis.

Nossas organizações parceiras e aliadas alertaram-nos para a deterioração da situação da democracia no Brasil. É por isso que hoje, com o lançamento da campanha «O Brasil resiste. Lutar não é um crime», propomos transmitir o grito de alarme: que este seja ouvido na França e na Europa. Como primeira etapa desta campanha, adotamos um instrumento capaz de nos ajudar a fazer um balanço da situação social do Brasil. Trata-se de um barômetro que mede a pressão que a sociedade civil tem sofrido nos últimos tempos e, em particular, nos últimos dois anos. 


Este site também oferece depoimentos em vídeo de atores da área, falando sobre as ameaças concretas que os afetam hoje.

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Direitos dos povos indígenas

O cacique Emyra Wajapi, em 23 julho 2019 ; Paulo Paulino Guajajara, guardião da floresta em 1er novembro 2019 ; o cacique Prexede Guajajara e Raimundi Benicio Guajajara, em 7 dezembro de 2019 ; Humberto Peixoto Tuiuca em 2 dezembro 2019. A lista de indígenas assassinados no Brasil não parou de crescer ao longo do ano. Em 2018, foram relatados 111 casos de invasão para exploração ilegal de recursos naturais em territórios indígenas, contra 96 em 2017. Nos primeiros 9 meses de 2019, registaram-se 160 casos em 19 Estados do Brasil15, casos estes marcados por um aumento da violência. Esta impunidade é reforçada pelo discurso de Jair Bolsonaro contra os povos indígenas: «Vamos integrá-los na sociedade», que rejeita as diferenças e retoma uma política de assimilação.

Conflitos socioambientais

A economia brasileira baseia-se em grande parte na extração e exportação dos recursos naturais (minérios, agrícolas, etc.). Para responder a uma vontade de crescimento econômico sem limites, as fronteiras para a exploração e a exportação dos recursos são constantemente estendidas. Os grandes projetos de barragens e outras infraestruturas são pensadas às pressas, sem consulta prévia às populações que vivem nesses territórios. Os casos de apropriação das terras e as pressões para o controle destes recursos naturais2 aumentam. Os conflitos socioambientais estão, portanto, em forte aumento no Brasil, de 2018 a 2019 em comparação com os anos anteriores.
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Violência contra as mulheres

Viver sem violência é um direito de todas as mulheres. Desde a década de 1980, o Brasil avançou na criação de mecanismos, normas e serviços especializados de atenção às mulheres vítimas de violência. A lei Maria da Penha de 2006 é um bom exemplo deste processo: visa proteger a mulher da violência doméstica e familiar. Constitui o fruto de um trabalho entre os poderes públicos e os movimentos sociais de mulheres. Depois das manifestações do #Elenão que repercutiram em todo o mundo uma rejeição ao discurso misógino e de ódio proferido por Jair Bolsonaro no momento da sua campanha, as organizações e movimentos de mulheres mobilizaram-se durante todo o ano 2019 em todo o país. Marchas, reuniões e atos simbólicos foram organizados para alertar os recuos no combate à violência contra as mulheres. O assassinato da vereadora Marielle Franco em março de 2018, caso ainda não resolvido, é um dos trágicos episódios lembrados.

Racismo e as violências policiais

Apoiado pelo lobby das armas, Jair Bolsonaro chegou ao poder com um discurso punitivista e propondo violência aos seus opositores, designando-os como inimigos. A política de segurança que defende Jair Bolsonaro baseia-se na liberalização do porte de armas de fogo, no endurecimento das penas e na detenção em massa. Esta política de segurança não é nova, mas está longe de ter demonstrado sua eficácia. Há muito tempo no Brasil, esta violência visa particularmente as populações pobres e negras dos bairros periféricos: 75,4% das pessoas mortas durante intervenções policiais entre 2017 e 2018 são negras1.
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Liberdade de expressão

A violação da liberdade de expressão é um fenômeno antigo no Brasil. Em 2018, 5 famílias controlavam mais de 50% dos meios de comunicação. No total, são menos de 10 famílias que ditam a linha editorial da sociedade brasileira. Os meios de comunicação públicos existem, mas são muito fracos e pouco independentes face ao controle do Estado. Ainda que a Constituição brasileira garante a diversidade e a pluralidade da informação, mas estes princípios nunca foram traduzidos em forma de lei. E por causa disso, várias dezenas de deputados são proprietários de meios de comunicação, o que é proibido pela Constituição. Em 2018, organizações da sociedade civil denunciaram 40 desses congressistas em exercício à Justiça. A chegada de Bolsonaro veio agravar um cenário já degradado. A partir das eleições presidenciais, a proliferação de discursos de ódio conduziu a uma multiplicação das violências.

Moradia

Passadas as políticas sociais dos anos 2000, que levaram à criação do Ministério das Cidades, uma reivindicação histórica dos movimentos populares de luta pelo direito à moradia, as políticas de austeridade do governo de Michel Temer inverteram brutalmente a tendência. O diálogo com os movimentos sociais foi interrompido e as expulsões das famílias ocupando edifícios abandonados e vazios tornaram-se recorrentes. A organização dos Jogos Olímpicos no Rio em 2016 e a organização da Copa do Mundo de Futebol em 2014 em outras cidades serviram de álibi para acelerar essas expulsões. Durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro lançou mensagens claras sobre a sacralidade da propriedade privada, apesar do direito à moradia para todos. As ameaças e a criminalização dos movimentos que lutam por uma habitação digna e pelo direito à cidade continuaram até a sua chegada ao poder.
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Acesso à terra

Como a maioria dos países da América Latina, o Brasil é marcado por uma forte concentração de terras nas mãos de uma minoria: 45% da superfície rural está nas mãos de menos de 1% dos proprietários, fazendo do Brasil o quinto país mais desigual em termos de acesso à terra na América Latina. Desde 2015, os conflitos ligados à terra não cessam de se multiplicar, aumentando significativamente a violência no meio rural, em particular em relação às comunidades camponesas, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais. São, no entanto, esses atores e atrizes que tentam garantir uma relação mais saudável e mais respeitosa com o meio ambiente nos territórios.

Educação

Desde sua ascensão à presidência, Jair Bolsonaro iniciou uma cruzada ideológica contra o sistema educativo do país. Aliado do movimento «Escola Sem Partido» que defende uma “depuração” da Educação em nome da pátria, da ordem social, dos valores cristãos, a luta contra o «marxismo cultural» foi o coração da sua campanha eleitoral. o apresentar Abraham Weintraub como ministro da Educação, Bolsonaro declarou: «Queremos uma juventude que não se interesse pela política ». Em maio de 2019, o governo anunciou cortes no orçamento do ensino superior de 5,1 bilhões de reais (cerca de 1,16 bilhão de euros), impactando o funcionamento das universidades e manutenção de edifícios. Ao fazer cortes orçamentários e ao denunciar os «inimigos da pátria», o governo assinalou seu alinhamento com os grandes grupos de interesses do ensino privado e setores evangélicos mais conservadores.
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LGBTQI+

A violência relacionada à orientação sexual não é nova no Brasil, mas tem aumentado nos últimos anos. Em 2016, o relatório anual do Grupo Gay da Bahia indicava o número de 150 pessoas LGBTQi+ assassinadas, ou seja, um assassinato LGBT-fóbico a cada 25 horas5. Esta taxa, já entre as mais elevadas do mundo, não fez senão cresce: em 20181 no Brasil, 320 pessoas LGBTQi+ foram assassinadas. Segundo o relatório do Grupo Gay da Bahia, os casos de agressões físicas também estão aumentando (713 casos registados nesse mesmo ano). Estes indicadores confirmam LGBT-fobia cada vez mais crescente, alimentada por um discurso político que banaliza este tipo de violência. Durante todo o ano de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro não deixou de estigmatizar esta população, usando expressões e frases chocantes em seu discurso.  

Oposição política

O Brasil vive, desde o início dos anos 2010, uma situação de crise política e democrática. Uma nova etapa foi alcançada em 2016 com a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, na sequência de um processo parlamentar cuja ilegalidade foi amplamente denunciada pelos juristas. Este ataque frontal às regras democráticas testemunhava, nomeadamente, a ascensão de grupos de influência no Parlamento brasileiro, ligados a três sectores designados por «BBB» Bala, Bíblia e Boi (armamento, igrejas evangélicas, agroindústria). Desde a chegada ao poder, Jair Bolsonaro confirmou a sua vontade de reduzir as oposições progressistas. Cerca de 320 funcionários em postos de confiança foram despedidos, com o objetivo declarado de “despetizar” o Governo. Os movimentos sociais foram submetidos a uma maior vigilância.