De acordo com o relatório anual do Grupo Gay da Bahia publicado em 2020, 329 pessoas LGBTQI+ foram vítimas de morte violenta no Brasil em 2019 (assassinatos ou suicídios): isto significa uma morte violenta a cada 26 horas. Estes números garantem ao país o triste título de campeão mundial de crimes contra minorias sexuais: mais da metade das pessoas LGBTQI+ mortas no mundo vivem no Brasil.

Embora o relatório do Grupo Gay da Bahia mostre um cenário já muito alarmante, os números poderiam ser ainda mais altos. Dados sobre a violência contra pessoas LGBTQI+ mostram um enorme déficit em termos de coleta e divulgação pelas instituições estatais responsáveis pela segurança pública. Assim, dos 297 homicídios LGBTQI+ registrados pelo Grupo Gay da Bahia, apenas 84 foram registrados pelas estatísticas oficiais.

Como observado em relação a outras formas de violência, levar em consideração diferentes estigmas sociais mostra que a superposição destes em um país desigual como o Brasil pode ter resultados trágicos. Isto é particularmente perceptível quando se observa a população negra LGBTQI+. De acordo com o relatório do Grupo Gay da Bahia, 38% das vítimas fatais em 2019 eram de raças mestiças e negras, enquanto 36% se definiam como brancos.

Embora a maioria dos assassinatos envolva homossexuais (63% das vítimas, incluindo 10% lésbicas e 53% gays), « transexuais e travestis » ocupam uma alta proporção destas estatísticas de assassinatos. 124 pessoas transexuais foram assassinadas em 2019, o que representa mais de um terço do número total de vítimas registradas. Dados apresentados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) também mostram que o Brasil é um dos países que mais mata « travestis e transexuais » no mundo. Esta situação de vulnerabilidade parece estar se agravando. Nos primeiros dez meses de 2020, o Brasil ultrapassou a marca de 151 assassinatos de pessoas « trans e travestis ». Isto representa um aumento de 47% nos assassinatos trans de janeiro a outubro de 2020 em comparação com o mesmo período em 2019.

O Estado continua a ignorar estes números e não implementou nenhuma medida de proteção para as pessoas LGBTQI+, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal em junho de 2019 de reconhecer a LGBTfobia como um crime no mesmo nível do racismo.

Além da carga de estigmatização e violência já experimentada pelas pessoas LGBTQI+, elas têm que enfrentar os efeitos adversos da pandemia de Covid-19. De acordo com um estudo realizado pelo coletivo #VoteLGBT, o isolamento social gerou repercussões ainda mais agudas para as pessoas LGBTQI+, particularmente em termos de saúde e acesso ao mercado de trabalho. Dos pesquisados, 43% disseram que o impacto mais significativo da pandemia foi o aumento dos problemas de saúde mental. Com relação ao acesso ao mercado de trabalho, a taxa de desemprego das pessoas LGBTQI+ atingiu 22%, quase o dobro do resto da população.

Em um país onde a violência parece estruturar as relações sociais, estes ataques também se refletem em formas de violência política, especialmente desde que Jair Bolsonaro se tornou presidente do país. A pesquisa « Violência contra LGBT+ no contexto eleitoral e pós-eleitoral« , realizada pelo coletivo Gênero e Número, mostra que 51% dos entrevistados sofreram pelo menos um ataque desde as eleições de 2018. As mulheres lésbicas são as mais numerosas a terem sofrido violência (57%), seguidas por transexuais e travestis (56%), gays (49%) e bissexuais (44,5%).

Diante deste contexto, a sociedade civil brasileira resiste e se organiza: de acordo com o movimento #VoteLGBT, 502 pessoas LGBTQI+ foram candidatas nas eleições municipais de novembro de 2020 e 90 pessoas foram eleitas. A Associação Nacional de Pessoas Trans e Travestis (ANTRA) também atingiu um número recorde de candidatos trans e funcionários eleitos: 294 candidatos de todo o Brasil, incluindo 30 pessoas em candidaturas coletivas. Dessas candidaturas, pelo menos 30 pessoas trans e travestis foram eleitas, contra 8 em 2016 

Exemplo de resistência: a casa da diversidade

A Casa da Diversidade, projeto lançado pela associação Conexão G, no bairro da Maré do Rio de Janeiro, busca criar um local de passagem ou refúgio temporário para a população LGBTQI+, oferecendo um espaço seguro e de referência para aqueles que transitam ou vivem em territórios de favela. Os objetivos da Casa da Diversidade da Maré se concentram na promoção da educação, cultura, lazer e empregabilidade das pessoas LGBTQI+ provenientes das favelas.

Além disso, o projeto busca promover a autonomia e a inclusão digital dessas pessoas, especialmente travestis e transexuais; desenvolve ações para combater o preconceito, promover o acesso à justiça e à saúde. Ele também procura repensar o debate sobre segurança pública e produzir e disseminar conteúdo nas mais diversas plataformas digitais.

 
Os dados :
 
– AUMENTO de 47% nos assassinatos de pessoas trans nos primeiros 10 meses de 2020 em comparação com o mesmo período em 2019

Citação

« O atual governo legitimou a caça e execução de pessoas que não fazem parte do espectro da família tradicional brasileira. A LGBTIfobia está saindo do armário. « 

Marinheiros, coordenador geral da Associação Paranaense do Desfile da Diversidade (Appad)